“A EDP Comercial vai baixar a sua componente de preço denominada Energia e Estrutura Comercial. Esta redução entra em vigor a 1 de julho e representa, em média, para os clientes residenciais da EDP Comercial, uma descida de 21% na componente de preço definida pela EDP Comercial”. Começava assim a carta da empresa aos clientes no final de maio, quando a elétrica já sabia que as tarifas de acesso à rede, a definir pelo regulador da energia, seriam agravadas. A EDP não foi a única. Também Galp e, mais recentemente, a Iberdrola anunciaram descidas de preços. Mas os clientes poderão, na verdade, não as sentir. E no caso da EDP, pelas contas feitas pelo Expresso, as faturas até irão subir.
A carta que a EDP Comercial enviou aos clientes no final de maio indicava, mais abaixo, que “sobre esta alteração [a tal redução de 21%] deverá ainda ser considerado o impacto da atualização extraordinária das Tarifas de Acesso às Redes (TAR), que serão definidas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) durante o mês de junho”. E esse não é um pormenor irrelevante: a elétrica já conhecia, há várias semanas, o teor da proposta da ERSE (publicitada a 28 de abril), que previa um agravamento das referidas tarifas de acesso, o que resultaria num impacto para o cliente final bem distinto de uma redução de 21%.
A proposta da ERSE de novas tarifas de acesso à rede viria a ser confirmada a 15 de junho, e com um agravamento ainda maior do que o proposto no final de abril: o regulador da energia aprovou, para vigorar a partir de julho, tarifas de acesso de -0,0121 euros por kilowatt hora (kWh) na componente de energia, valor que contrasta com os -0,0958 euros por kWh que vigoraram entre janeiro e junho. Significa isto um agravamento superior a 8 cêntimos por kWh: desde janeiro os comercializadores deviam repercutir nos seus clientes um desconto de quase 9,6 cêntimos por kWh sobre os seus preços (dado o valor negativo das tarifas de acesso), mas a partir de julho esse desconto será de pouco mais de 1 cêntimo.
Na sua comunicação aos clientes no final de maio a EDP Comercial (que é o maior fornecedor de clientes domésticos em Portugal, com uma quota de mercado superior a 68%) indicava que não só iria baixar a componente de energia que dependia de si, como baixaria ainda mais o encargo de potência da sua responsabilidade: os clientes com potência contratada de 6,9 kVA, por exemplo, beneficiariam de uma redução de 0,2474 euros para 0,2079 euros no kWh de junho para julho, e de uma descida de 0,1987 euros para 0,0664 euros por dia no custo da potência. Só que a esses valores havia que somar as tarifas de acesso à rede (que a ERSE já tinha proposto, mas ainda não aprovado na sua versão definitiva).
A EDP Comercial não foi a única empresa do mercado a reagir à proposta de fixação extraordinária de novas tarifas de acesso da ERSE com um anúncio público de redução de preços (ou parte deles).
Também a Galp Energia comunicou aos seus clientes no início de junho uma descida de 10% nos preços de eletricidade e gás natural, mas sem considerar as tarifas de acesso às redes. Já na passada sexta-feira foi a vez de a Iberdrola (já após conhecer a versão final da revisão da ERSE) enviar às redações um comunicado indicando um corte de 28% na componente de energia, mas sem explicitar o impacto real na fatura total dos seus clientes, apenas garantindo que estes ficariam a poupar 10% face aos preços regulados (nos quais a ERSE não mexeu).
As simulações feitas pelo Expresso indicam que pelo menos no caso da EDP Comercial a fatura final do consumidor vai subir em julho, ficando até mais alta do que nas tarifas reguladas da SU Eletricidade.
Pegámos nos valores comunicados pela EDP para clientes com tarifa simples e potência de 6,9 kVA, somando-lhes as tarifas de acesso que vigoram até final de junho e as que serão aplicadas a partir de julho. E considerámos também um desconto de 10% (que a EDP Comercial concede a quem contrate digitalmente). E a conclusão é que o preço final a pagar pelo cliente da EDP Comercial a partir de julho descerá 35% na rubrica da potência (a parte fixa da fatura), e ficará até abaixo do valor cobrado pela SU Eletricidade no mercado regulado… mas o valor final do kWh na EDP Comercial irá subir 29% (e ficará acima do custo da energia na SU).
No que toca ao custo da energia, na EDP Comercial a empresa do seu lado baixou o preço em cerca de 4 cêntimos por kWh, mas como as tarifas de acesso serão agravadas em mais de 8 cêntimos, a partir de julho o cliente final deverá ficar a pagar pela eletricidade consumida cerca de 4 cêntimos a mais por cada kWh do que paga hoje.
E fizemos um conjunto de simulações para vários volumes de consumo, para potências contratadas de 6,9 kVA, e tarifa simples, que indicam que a oferta da EDP Comercial, que nos últimos meses era mais barata que as tarifas reguladas, deverá a partir de julho sair mais cara.
Nestas simulações considerámos os preços já aprovados da EDP, os da SU Eletricidade (inalterados) e ainda os do comercializador com tarifas indexadas que mais clientes conquistou nos primeiros quatro meses do ano (dados da ERSE), a Luzboa.
As tarifas indexadas foram, durante esta primeira metade do ano, os preços mais vantajosos do mercado de eletricidade em Portugal, tendo levado algumas dezenas de milhares de famílias a adotar este tipo de tarifários, que são mais voláteis, pois o preço do kWh em cada fatura varia consoante a evolução do mercado grossista.
É já um dado adquirido que as famílias com tarifários indexados vão pagar mais a partir de julho, devido ao agravamento das tarifas de acesso à rede, sendo também possível que sofram com uma subida do preço grossista da eletricidade face aos valores médios dos últimos meses. No entanto, as tarifas indexadas deverão continuar a ser mais baratas do que os preços do maior fornecedor de eletricidade (a EDP Comercial) e do que os do segundo maior (a SU Eletricidade, regulada). É ainda uma incógnita se as tarifas indexadas se manterão competitivas face a outros comercializadores que hoje têm tarifários fixos relativamente reduzidos.
De acordo com os cálculos do Expresso, uma família com 6,9 kVA de potência contratada e um consumo mensal de 200 kWh na tarifa simples na EDP Comercial tem hoje um encargo mensal antes de impostos de 37,5 euros, que passará a 41,9 euros em julho (mais 12%). O mesmo perfil de consumo na SU Eletricidade verá a sua fatura de cerca de 41 euros inalterada. Na Luzboa haverá um agravamento significativo, dos atuais 12 euros por mês para cerca de 34 euros.
Uma outra simulação para um consumo um pouco maior, de 350 kWh mensais, devolve resultados similares: uma família na SU Eletricidade paga 64,48 euros mensais (antes de impostos), e assim continuará, enquanto o cliente EDP Comercial passará de 58 para 68 euros mensais, e o da Luzboa de 14 para 53 euros.
Mas tome nota: no início de julho a ERSE já terá introduzido no seu simulador de preços de eletricidade as tarifas atualizadas de todos os comercializadores, incluindo as novas tarifas de acesso. Essa será a melhor altura para comparar as novas condições e identificar as ofertas mais vantajosas para cada perfil de consumo
O que o artigo não explica é qual a justificação para o aumento das tarifas de acesso à rede decretada pela ERSE, que é um valor negativo. Alguém sabe porquê?
É explicado num artigo paralelo. Resumidamente, o mercado grossista esteve abaixo das previsões da ERSE ao início do ano, o que criou um desequilíbrio de 2 mil milhões de euros entre os custos de produção, o mercado real e os preços pagos pelos clientes. Para evitar que a correcção seja demasiado dramática em janeiro, optaram por excepcionalmente aplicar a correcção agora em Julho.